O ser feliz: uma realidade ou utopia?
Quando alguém lhe pergunta: “Você é feliz?” Esta pessoa não está lhe perguntando se você tem momentos felizes, porque nos parece óbvio que para a maioria das pessoas, momentos felizes, são normais, salvo pessoas que sofrem de um transtorno como uma uma depressão grave. Até mesmo o dicionário define felicidade como um estado de uma consciência plenamente satisfeita, no entanto, não me parece aceitável como algo humano e muito menos desejável, “o ser feliz”, apesar de toda campanha contemporânea em prol da tal felicidade: cursos, livros, fórmulas, remédios e tanta outras coisas colocam, o ser feliz como possível e um ideal a ser alcançado.
E por que não é humano ser feliz? Por que é humano ter tristeza. Vou dar um exemplo: Recentemente um amigo de grande estima, faleceu de forma inesperada, ele tinha minha idade, Dr.Felipe Carvalho Braga. Nenhum ser humano normal concordaria que eu devesse ficar feliz, tudo bem, concordo que não é sempre que temos um motivo desta amplitude para ficar triste, mais quando, por exemplo, vivenciamos a injustiça da justiça , ou, a crueldade dos covardes, como ficar feliz nestas circunstâncias? Somente um insano ficaria feliz nestas circunstâncias, ou seja, a tristeza também faz parte do valor humano.
Então, alguém diria: “Tudo bem…a tal felicidade não é um condição humana fisiológica, normal, mas apesar disso ela é desejável, é o que todo mundo diz, até mesmo Aristoteles”. No entanto, sinto- lhes informar, que nem mesmo Aristóteles queria dizer que o fim último da conduta humana é o que conhecemos hoje como felicidade, na verdade, o termo grego para felicidade, eudaimonia, significava literalmente, ser abençoado por deus ou ser abençoado com relação ao seu próprio espírito, que poderia ser interpretado diferente do nosso conceito atual de felicidade, mas sem teorias, vamos para prática. Porque a felicidade não deveria ser desejada? Vamos ao exemplo “Estou triste porque fui rude com a minha esposa”, preciso ser mais paciente. ” Estou chateado porque perdi o emprego “, próxima vez me esforçarei mais. “Estou triste porque me enganaram”, próxima vez terei mais atenção e sabedoria. Observem: a tristeza nos faz buscar a nossa superação, por isso, “o ser feliz” nos leva a mediocridade e isto não é desejável como valor humano.
Fica claro que “o ser feliz” não deve ser um ideal humano, porque a tristeza também é um valor humano e uma força motriz de mudança. A melhor pergunta seria ”Você encontra sentido na sua vida ? Porque se ela tem sentido, não importa se estamos felizes ou tristes continuamos querendo viver e indo para frente. Seu marido faleceu mas você ainda tem seus filhos para educar.
Dezenas de axiomas “científicos” da tal felicidade tornam- se mandamentos: “Viva o momento para ser feliz”, mas você diria a um judeu no campo de concentração nazista: “ Seja feliz e viva o momento”, provavelmente ao contrário, não pensar no momento, foi justamente, o que o fez um querer continuar a viver apesar de toda atrocidade de um campo de concentração. “ Viva experiências” , provavelmente Stephen Hawking, teria solicitado eutanásia muito antes de ficar quase 4 décadas só podendo mobilizar os olhos. “ Tenha o máximo possível de amizades e relacionamentos”, provavelmente um indivíduo com Transtorno de Espectro Autista não concordaria com esta afirmação. Sim, estas recomendações são científicas, mas não servem para o indivíduo, porque cada um é um universo irreprodutível.
Somente quando a tristeza está em uma intensidade tal que perde o seu sentido, devemos usar a nossa capacidade humana cerebral para ajustá-la. Como fogo de uma fogueira que faz sentido enquanto está controlada queimando dentro da fogueira, mas quando o fogo se espalha além da fogueira, por exemplo nas árvores, já não faz mais sentido ficar ao redor dela,”por favor, chamem os bombeiros…” Técnicas psicoterápicas como a terapia cognitiva comportamental e a logoterapia, e até mesmo a religião podem ser a água para apagar o fogo indesejado mas quando o cérebro não consegue mais se auto ajustar, técnicas exógenas como a Estimulação Magnética Transcraniana e a Cetamina podem ser o bombeiro para apagar o incêndio que está totalmente desgovernado.
Por último, gostaria de ler um parágrafo de um autor que escreve sobre a atitude frente acontecimentos que não dependem de nós, observo que a não aceitação destas coisas , é um das principais causas de uma tristeza (fogueira) se transformar em depressão (incêndio) .“Quero cada vez mais aprender a ver como é belo aquilo que é necessário nas coisas. Amor-fati (amor ao destino): seja este, doravante, o meu amor! Não quero fazer guerra ao que é feio. Não quero acusar, não quero nem mesmo acusar os acusadores. Que minha única negação seja desviar o olhar! E, tudo somado e em suma: quero ser, algum dia, apenas alguém que diz Sim!“ Nietzsche, Gaia Ciência.
Autor: Dr. Rafael Higashi, médico (CRM: 74345-3), mestre em medicina, nutrólogo( RQE: 19627) e neurologista (RQE: 13728) da Clínica Higashi ( www.clinicahigashi.com.br )