Qual a relação da arte com a cognição humana?
A arte faz parte do estudo da filosofia denominado de estética, considerada como um dos ramos principias do estudo filosófico pois envolve uma questão fundamental e universal da existência humana, lembrando que a filosofia tem como principal cinco grande áreas de estudo, a metafísica que é o estudo da natureza fundamental da existência, a epistemologia que é o estudo de como o ser humano adquire conhecimento, a ética que é o estudo de um código de valores para guiar a ação humana, politica que é o estudo do melhor sistema para se conviver em uma sociedade e a estética que estuda o que é a arte.
Para compreender o papel da arte na vida humana devemos verificar que arte é um fim em sim mesmo, ou seja, não tem outro propósito além da contemplação humana, diferente de outros produtos produzidos pelo ser humano com um carro, moveis e roupas que tem um produto para um meio utilitário, já um quadro, uma estatua, uma musica não.
Existe uma razão pela qual todas as formas fundamentais de arte já existem desde tempos pré-históricos, porque a questão essencial do papel da arte no ser humano é cognitiva, ou melhor, da preservação e sobrevivência da sua consciência, isto porque a consciência humana é conceitual, esta é a razão porque todos as artes nasceram em tempos pré-históricos, porque as formas das artes não dependem do conteúdo de sua consciência, conhecimento, mas de sua natureza, meios pelas quais ele o adquire. O conhecimento dá origem a novas subcategorias nos ramos da arte, mas são variantes das mesmas artes fundamentais, a quais muda-se a técnica, mas não os princípios básicos. A consciência humana é conceitual por isso necessita da integração, ou seja, uma compreensão unificada e ampla da vida para definir seus valores, escolher seus objetivos, planejar seu futuro, ou seja coerência da sua vida, a qual poder se fornecida por uma explicação mística religiosa, lógica filosófica ou mesmo de forma arbitrária, podemos afirmar que a cognição busca uma unidade econômica através da integração ele condensa de forma conceitual (abstrata) as existentes ( concretos) que são as universais e princípios e faz também no caminho inverso , ele condensa o pensamento abstrato (conceitos) em forma de concreto (existente), ou seja, arte.
Um conceito de acordo com Ayn Rand é uma integração mental de duas ou mais unidades que são isoladas por um processo de abstração e unidas por definição específica. Ao organizar seu material perceptivo em conceitos , e seus conceitos em conceitos cada vez mais amplos, o homem é capaz de transcender a limitação imediata de informações perceptuais concretas em uma quantidade ilimitada de conhecimento, por exemplo podemos reter informação em dado momento de quatro a cinco arvores, mas somente pela nossa capacidade conceitual podemos generalizar informações de todas as arvores que existiram, existem e existirão, retido em uma única palavra arvore. O conceito (ex: arvore) funciona como uma equação matemática com unidades especificamente definidas a qual pode ser aplicada a qualquer dado momento.
Para armazenar todo o conhecimento que adquirimos e abrir espaço para novos conceitos, nosso cérebro automatiza e armazena no que referimos subconsciente. Nosso cérebro consegue reter uma cadeia tão complexa de conceitos que nenhum computador poderia ser capaz de superar. É neste extenso sistema de conceitos que nosso cérebro retêm o conhecimento da realidade. No entanto existe ainda uma outra maneira ainda mais complexa que o cérebro precisa resolver, que é aplicação deste conhecimento dentro da realidade, ou seja, avaliar os fatos da realidade e escolher seus objetivos para guiar suas ações de acordo. Para isto ele precisa como base o sistema de conceitos retidos anteriormente que identificam os fatos da realidade e ainda um sistema de conceitos normativos derivada e dependente da primeira, porém separado que prescreve uma escolha de valores e um curso de ação. Ayn Rand descreve “As abstrações cognitivas lidam com que é, as abstrações normativas lidam com o que deveria ser.”
As abstrações normativas é o que denominamos no conceito ética depende de dois ramos da filosofia: a metafísica e a epistemologia. Antes de prescrever o que o homem deve fazer (ética), ele deve saber aonde ele esta (metafísica) e o que ele é (metafísica e epistemologia). Como exemplo de uma visão metafísica seria o homem impotente para lidar com as adversidades da existência e em consequência o homem deveria ser passivo e pessimista, ou ao contrário, homem é capaz de compreender e superar as adversidades da existência por isso deve ser ativo e otimista em seus objetivos. Para exemplificar, um indivíduo para decidir subir uma montanha, antes ele deve conhecer como é o trajeto até aquela montanha (ex: frio ou calor, vegetação densa ou semidesértica, presença de animais selvagens ou não, etc.) e também a sua capacidade física de subir ou não a montanha.
A visão metafísica do individuo é a base para suas escolhas, no entanto, ela é uma abstração ampla, pois inclui tudo que ele percebe na existência e para manter o foco da sua consciência do que é importante, ele precisa da arte. De acordo com Ayn Rand: “A arte é uma recriação seletiva da realidade de acordo com os julgamentos de valor metafísicos de um artista. Por uma recreação seletiva, a arte isola e integra aqueles aspectos da realidade que representam a visão fundamental do homem, de si mesmo e da existência. A arte é uma concretização da metafísica”.
O papel fundamental da arte é mostrar nossas abstrações. A arte não substitui o pensamento teórico. Rand exemplifica que o conhecimento teórico ético permaneceria na posição de engenharia: a arte a construtora de modelos, , ou seja, à função primária da arte é não é ensinar mas mostrar. Nosso cérebro conceitual integrador traz as abstrações do homem ao nível perceptivo, ou seja, a nível de concreto, em entidades especificas abertas a percepção direta do homem, ou seja, em forma de arte. Comparativamente na linguagem o nosso cérebro também integra em uma única palavra um conceito ( ex: homem) este mecanismo integrador utiliza o mecanismo de unidade econômica e a concretização em forma de palavras para conseguirmos acessar o conceito homem.
A verdade ou falsidade de uma obra de arte é irrelevante em relação a natureza fundamental da arte, pois sua função psicoepistemologica permanece a mesma em todo o tipo de arte, ela confirma ou nega a eficácia da consciência de um homem. Como diz Rand “ a arte é a voz da filosofia “.
Cada indivíduo adquire uma visão implícita da vida, uma estimativa de si mesmo e do mundo a seu redor, de uma capacidade de lidar com o mundo, verdadeiras ou falsas, seu mecanismo subconsciente, integra suas conclusões (ou evasões) em uma soma emocional que estabelece um padrão habitual e que se torna a sua resposta automática ao mundo ao seu redor, uma emoção que faz parte de todas as suas outras emoções, ou seja, a soma integrada dos valores básicos de um homem, isto seu senso de vida. É o senso de vida individual que fazem um identificar ou não com uma obra de arte (aprovação ou condenação) e é o senso de vida do artista que controla e integra seu trabalho dentro das inúmeras possibilidades que o artista tem. O senso de vida não é um valido critério para o julgamento estético de uma obra de arte, mas o mecanismo psicológico que o permite fazer.
Abstração emocional consiste em classificar coisas de acordo com as emoções que ela evocam, elas dependem de como estas coisas se encaixam na visão do indivíduo sobre si mesmo, ou seja, do indivíduo de si mesmo e sua própria existência.
Ayn Rand explica que somente os valores que o homem considera importante que representam uma visão implícita da realidade permanecem no subconsciente e formam o seu senso de vida. A arte é uma recreação seletiva da realidade de acordo com os julgamentos de valor metafísicos de um artista, a arte e o amor romântico de acordo com Rand são aspectos da existência do homem que são o domínio e a expressão especial do seu senso de vida que é a essência de uma personalidade, que criam o estilo de sua alma , insubstituível e único.
O senso de vida do homem fornece a soma integrada das abstrações do artista e a arte as concretiza e permite que ele perceba. O artista em sua arte está dizendo, a vida significa isto para mim, ou seja, esta é a vida como eu vejo, do outro lado quem observa a arte reconhece ou não como o próprio enxerga a vida. O artista inicia com abstrações amplas e tem que concretizar em particulares, semelhante a um processo de dedução, o observador percebe a arte e integra o concreto em forma de abstração semelhante a um processo de indução.
As abstrações cognitivas são formadas pelo critério do que é essencial, as abstrações normativas são formadas do que é bom e as abstrações estéticas são formadas o que é importante (ex: o homem como um herói x um monstro). As abstrações estéticas fazem com que identificamos cognitivamente com uma personagem ou obra de arte porque é uma abstração que reivindica universalidade para a vida humana como importante, esta é a diferença de uma noticia que pode ou não ser indiferente para o individuo. A arte reivindica a confirmação de uma visão da existência, para que permita contemplar suas abstrações fora de sua mente, um espelho metafísico.
O artista estiliza a realidade e não falsifica, selecionando o que ele considera metafisicamente relevante, não são dissociados da realidade mas que integram os fatos com sua avaliação metafisica ( esculturas gregas x medievais) por isso a arte não esta preocupada com os eventos reais como tais mas com seu significado metafísico para o homem. O animal racional precisa de um momento de descanso de sua mente, a sensação de tarefa concluída. A arte é combustível de contemplar da realidade do próprio senso de vida, de como seria viver em seu mundo ideal, não é um processo didático de aprendizado, mas de experimento. Quando menos racionalidade o individuo tem, menos a arte serve como inspiração, mas como permissão, uma justificativa de sua depravação , de destruição de valores. Entre estes dois extremos de racionalidade pela busca de valores e irracionalidade pela destruição de valores, aonde a maioria se encontra, vindo de uma filosofia de vida mista e contraditória, no entanto, é arte por ser original. Independente da filosofia e senso do artista o mérito estético não deve ser julgado pela veracidade ou falsidade de suas premissas filosóficas, mas por sua expressão autentica, criativa e original. “Um artista revela sua alma nua em seu trabalho”, descreve Rand.
Dois elementos distintos mas inter-relacionados de uma obra de arte são meios cruciais para projetar o senso de vida: o tema ( o que o artista escolhe a projetar), ou seja, a metafisica e o estilo ( como ele apresenta), ou seja, a psicoepistemologia, o nível de funcionamento mental aonde o artista se sente mais a vontade. O senso de vida é a fonte da arte, mas não seu critério estético de julgamento, pois emoção não é uma ferramenta cognitiva. Descordar ou não da filosofia do artista é irrelevante como avaliação estética da arte, este requer uma avaliação do significado abstrato de sua obra e depois os meios pelos quais ele transmite , tomando o tema dele como critério, ou seja, uma ciência estética, então, não é contradição dizer “ Esta é uma grande obra de arte mas não gosto dela”.
Todo o conhecimento do homem tem um tronco principal, a filosofia, a qual é dividido em dois troncos, um estuda o mundo física, ou seja, a existência física do homem como a ciência aplicada ( ex: engenharia , medicina e etc.) e o outro os fenômenos que pertencem a sua consciência a arte.
Aristóteles dizia que ficção é de maior importância filosófica do que a história, porque a história representa as coisas somente como elas são, ao passo que a ficção as representa como poderiam ser ou deveriam ser. A arte pode ser melhor compreendida através de uma frase do livro A nascente de Ayn Rand: “Não trabalhem para a minha felicidade, meus irmãos, mostrem-me a sua, mostrem-me que é possível, mostrem-me suas conquistas, e o conhecimento me dará coragem para a minha”.
Autor: Rafael Higashi, médico (52.74345-3) , mestre em medicina, neurologista (RQE: 13728) e nutrólogo (RQE:19627) da Clínica Higashi.
Referências bibliográficas:
- The Romantic Manifesto: A Philosophy of Literature (1969). Ayn Rand
- Objetivismo: Introdução à Epistemologia e Teoria dos Conceitos (1966). Ayn Rand
- Objectivism: The Philosophy of Ayn Rand (1991). Leonard Peikoff
- How We Know. Epistemology on an Objectivist Foundation (2014). Harry Bisnwager.